PONTO DE CONVERSA
Personagens: Tonho, Davi, Raquel, Michele, Lia, Luana, Márcia, Geovana,
Manuel.
Cenário: Ponto de ônibus.
Na parada de ônibus
chegam um homem de uniforme (Manuel) e um vendedor de geladinho (Tonho), ambos
falam algo que ninguém escuta, logo Manuel sai. Em seguida chega outro rapaz
(Davi) e fala:
Davi: Bom dia!
Tonho: Dia!
Davi: Você sabe me dizer se o 211 já passou?
Tonho: Sei não.
Davi: E o 215, viu se já passou?
Tonho: Vi não.
Davi: Você está aqui há muito tempo?
Tonho: Tô sim.
Davi: Mas você sabe se vai demorar pra passar o 211?
Tonho: Sei não.
Davi: E o outro, você sabe se vai demorar muito?
Tonho: O 215?
Davi: É sim. Você sabe deste?
Tonho: Também sei não.
Davi senta ao lado de
Tonho e começa a puxar conversa.
Davi: Meu nome é Davi de Almeida, sou universitário, estou no 5º
semestre de Direito, faço inglês e curso de informática avançada. Ano que vem
vou estagiar no Canadá.
Tonho: Tonho, do Osvaldo, às ordens.
Davi: Semana que vem começo as aulas pra tirar carteira de motorista,
daí não vou precisar mais de pegar ônibus.
Tonho: Hum.
Davi: Sabe seu Tonho, agora eu sei por que precisamos ter carteira de
habilitação pra poder dirigir.
Tonho: I é?
Davi: Na auto escola eu vou ter aulas de legislação, direção defensiva,
primeiros socorros, para
saber o que fazer em qualquer situação.
Tonho: Hum.
Davi: Também terei aulas práticas, para aprender a guiar o veículo com
segurança pelas ruas.
Tonho: Hum.
Davi: E vou ter de fazer alguns exames de saúde também, para ver como
está minha visão, se
preciso de óculos. Tem também outro teste psicológico, para saber como
está minha cabeça.
Tonho: Isso é bão.
Davi: Nossa, mas tá um calor. Você vende picolé?
Tonho: Vendo não.
Davi: Mas e essa caixa aí? Pensei que você vendia picolé...
Tonho: Não, não! Vendo é geladinho. Você aceita?
Davi: Opa! Me dá um aí?
Tonho: De que sabor você quer?
Davi: Uva.
Tonho: Uva tem não.
Segue-se vários
pedidos de sabores, não havendo nenhum, até que Davi pergunta, finalmente:
Davi: Mas de que sabor você tem afinal?
Tonho: Só tenho de cidreira?
Davi: Cidreira não é chá?
Tonho: É. E também é geladinho dois em um, refresca e acalma...
Davi: Então tá. Me dá um aí.
Pega o geladinho,
paga e começa a saborear.
Davi: Mas voltando a nossa conversa, também concordo. Esses estudos e
testes são necessários para fazer a CNH. Meu pai falou que antigamente era mais
simples pra tirar carteira. Não tinha tanta burocracia e tanto teste.
Tonho: Outros tempos.
Davi: Verdade. Hoje tem muito mais veículos nas ruas, carros, motos,
bicicletas e tudo mais. A pessoa tem de estar bem preparada mesmo.
Tonho. Hum rum.
Davi: Mas mesmo assim, Tonho, ainda é bem problemático nosso trânsito.
(olha no relógio) Já devia ter passado esse ônibus... Você não acha?
Tonho: Que o trânsito é problemático?
Davi: Não. Que o ônibus já devia ter passado?
Tonho: Sei não.
Davi: E que o trânsito é problemático?
Tonho: Também não sei não.
Davi: Mas você não anda pela cidade? Não vê os carros correndo demais,
as motos cortando caminho nas calçadas, os ciclistas no meio da rua, os
pedestres atravessando fora da faixa, um monte de gente furando o sinal
vermelho. O senhor não vê tudo isso?
Tonho: Vejo não. Eu presto mais atenção é no que eu tenho de fazer. Cada
um tem de cuidar do seu nariz. Daí não dá tanto acidente. Olha o 211 aí moço!
Davi: Você tem razão, se cada um fizer sua parte, o trânsito ficará bem
mais seguro. Até
mais Tonho, foi um prazer conversar com você!
Tonho: Até mais. Ô sujeitinho conversador. Só perde pro meu avô Genésio.
Acho que vou comer um geladinho, fiz una a mais para essa ocasião mesmo.
Quando Tonho se
prepara, percebe a aproximação de outro sorveteiro, desta vez com um carrinho.
Tonho: Alto lá! Que isso? Sinal vermelho, tá ultrapassando seu limite
mano.
Raquel: Ultrapassando o que? Estou em vias púbicas, direitos iguais. E
não é "mano", meu nome é Raquel.
Tonho: Era só o que faltava, mulher com carrinho de sorvete, agora que o
trânsito fica mais perigoso mesmo.
Raquel: Tá por fora menino. Fique sabendo que as mulheres são muito
melhor condutoras que os homens. Nós dirigimos com mais prudência, mais cuidado
e muito mais atenção...
Tonho: Sim, sim, atenção na unha, atenção no cabelo, atenção no batom...
Raquel: Nem vem, as estatísticas já mostraram que as mulheres se
envolvem, ou provocam, muito menos acidentes que os homens. Existem empresas
que só contratam mulheres como motoristas, pois elas cuidam muito mais dos
veículos.
Tonho: Estatísticas é? Até parece que sabe o que está falando.
Raquel: E sei mesmo menino! Por isso que as mulheres são melhor
preparadas. Olha nós dois, por exemplo, estou de carrinho e tenho mais cultura
que você.
Tonho: Pode até ter mais cultura, e andar com essa carroçinha feia. Mas
sabe muito menos de trânsito do que eu.
Raquel: Ai, ai! Por que diz isso?
Tonho: Sabe por que, sabe por que? Calçada é via exclusiva do pedestre,
e você está impedindo o trânsito com essa carroça...
Raquel: Ah, faz favor, vou embora,
você é muito chato! (sai)
Tonho: Vai mesmo, e sou chato, mas sei tudo de trânsito. Também, depois
de tudo que fico ouvindo aqui o dia todo, se não aprender...
Chegam três meninas.
Luana: Moço, sabe se já passou o 211?
Tonho: (pensando) Sei não.
Micheli: E o 215?
Tonho: Sei também não.
Lia: Sabe se vão demorar a passar?
Tonho: Isso eu não sei dize não.
As três: Obrigado!
Tonho: Sempre às ordens. Se não perguntar como é que vai saber, né?
As três se olham e se
colocam em frente à parada.
Luana: Ontem minha professora de balé ensinou uma brincadeira tão legal.
Vocês querem aprender? Quer Lia? Quer Micheli?
Micheli: Aff! Nem a pau juvenal! Tô com a cabeça quente hoje, só Jesus
na causa pra me deixar mais animada.
Lia: Mas eu quero Luana, ensina vai!
Luana: Tá bom, é para brincar em dupla mesmo. Vamos precisar de um
apito. É como no trânsito, quando o guarda precisa direcionar os carros, onde
não tem placas, ou aconteceu qualquer problema com o sinaleiro. Funciona assim:
Um apita e o outro faz os movimentos. Um silvo breve quer dizer “Atenção Siga”,
Dois silvos breves quer dizer “Pare”. Entenderam?
Lia: Duas apitadas curtas é pra parar e uma apitada curta é pra seguir?
Isso?
Luana: Isso mesmo, fácil né?
Micheli: E onde que tá a brincadeira nisso? Vocês vão para o meio da rua
pra ver se os motoristas sabem disso? Aquela para quem o motorista parar GANHA
e aquela que o motorista atropelar PERDE? Que bobagem!
Luana: Aí é que entra as atividades da minha aula de dança. Olha só!
Lia, pega o apito e vai comandando. Quando você der um silvo eu faço um passo
de dança para frente, quando der dois silvos eu paro e vou pensando em outro
passo. Faz aí pra você ver como é.
Luana se posiciona e
Lia vai comandando. Dá um silvo e Luana faz um passo; dá dois silvos e
Luana para,
seguindo-se vários passos.
Micheli: Entendi, mas quem ganha e quem perde?
Luana: Não é de ganhar ou perder.
Lia: É de aprender. Quem souber mais passos vai mais longe. E também já
aprende um
pouco sobre esse tipo de sinal de trânsito.
Luana: A professora até passou pra nós uma colinha sobre essa
sinalização, olhem só!
Lia: Deixa eu ver. Um silvo breve significa ATENÇÃO SIGA! Apita aí
Micheli! (Micheli apita)
Dois silvos breves significa PARE! Três silvos breve, quer dizer que o
condutor deve ACENDER A LANTERNA...
Micheli: (tomando a folha de Lia) Deixa eu ver. Tem mais ó: Um silvo
longo: DIMINUA A
MARCHA. (olha para Lia, que apita) Um silvo longo e um breve: TRÂNSITO
IMPEDIDO EM TODAS AS DIREÇÕES. Três silvos longos: MOTORISTAS A POSTOS. Até que
é maneiro isso.
Lia: Vamos brincar um pouco enquanto o ônibus não chega! Eu sou a guarda
de Trânsito e
vocês são as motoristas. Quero ver se aprenderam a lição.
Luana e Micheli
concordam. Luana fica na frente e Micheli logo atrás. Lia vai comandando,
alternando sinais para seguir, diminuir e parar. Eventualmente Micheli esbarra
em Luana. Coloca-se uma música no fundo. Lia investe-se de uma postura
destacada. Seguem com a brincadeira até a música cessar.
Micheli: Tô ouvindo o barulho do ônibus. Dá aqui o apito que eu quero
ver se o motorista sabe disso.
Lia: Acho bom não Micheli, deixa quieto.
Luana: Concordo com a Lia. Vai que o motorista não sabe e nos deixa
plantadas aqui. E você nem é agente de trânsito ora.
Micheli: Ma s como ele não vai saber, até eu já decorei. Um silvo breve:
Atenção Siga; dois silvos breves Pare; Um silvo longo: Diminua a Marcha.
Facinho, facinho.
Luana: Facinho, facinho né? Então vê se não esquece quando tiver sua
carteira de motorista. Não vai fazer igual você fez na prova de matemática.
Micheli: Ih, ih! O que foi que eu fiz?
Lia: O que foi que você “não fez”, quer dizer.
Luana: Você disse que sabia tudo, não estudou e tirou zero.
Micheli: Epa! Zero não, eu tirei UM. Mas vou recuperar. Mas mudando de
assunto, esse 215 que não chega. (vira para o sorveteiro) Moço será que vai
demorar muito? Que você tem aí nessa caixa?
Tonho: Geladinho dois em um.
Lia: Hum, parece bom! Geladinho de dois sabores.
Tonho: É dois efeitos moça. Igual capacete de segurança. Protege e
esconde a feiúra.
Luana: Tá bom! Meninas eu pago hoje. Dá aí moço, um pra cada uma.
Michele: Olha o buzão aí, vamos nessa gente.
As três se despedem
do sorveteiro e entram no ônibus. Depois que elas saem, Tonho olha para a
caixa.
Tonho: Hum, preciso abastecer. O plano está dando certo hoje. (sai)
O sorveteiro sai,
entra uma menina com uma tipóia no braço. Senta. Tenta se coçar, não consegue,
fica irritada. Logo em seguida chega outra menina com a perna machcada, de
muletas. Elas já se conhecem. Cumprimentam-se alegremente.
Geovana: Oi Márcia! Que bom que você chegou. Que bom que está só com a
perna machucada.
Márcia: Oi Geovana, também fico feliz em ver você. É verdade ainda bem
que é só na perna mesmo. Mas por que diz isso? Ficou sabendo do meu acidente?
Geovana: Não, não! É que estou com uma coceira danada aqui nas costas e
esse braço não alcança. Coça para mim, por favor?
Márcia: (risos) Está bem, onde é? (passa a coçar)
Geovana: Ahhhhhhhh! Obrigado! Mas o que aconteceu com você querida?
Márcia: Aconteceu quando eu estava pilotando. E esse seu braço, como
machucou?
Geovana: Eu tava pilotando também.
Márcia: Você tem moto também é? Eu não sabia.
Geovana: Não é moto não, é fogão mesmo filha. (ambas riem)
O sorveteiro chega
discreto e senta, passando a ouvir com atenção a conversa das duas.
Márcia: Como isso aconteceu?
Geovana: Eu estava preparando o almoço. A polenta já tava quase em ponto
de fervura. E eu lá, mexendo a panela. Daí meu celular tocou, fui atender.
Então a carne começou a queimar, uma mão tava na polenta, a outra no celular.
Botei o celular aqui no ombro e comecei a mexer a carne, a outra mão na
polenta. Meu marido berrando no celular. Meu filho me gritou lá do quarto dele.
Me atrapalhei toda, o celular caiu do ombro em direção à polenta. Larguei a
colher, fui pegar o celular, bati na panela e derramei a polenta quente no
braço. Resultado: Queimadura de terceiro grau e uma panelada de polenta
perdida.
Mácia: Coitadinha! O meu também foi parecido.
Geovana: Você também tava levando uma panela de polenta quente na moto?
Márcia: (risos) Não! Foi com celular.
Geovana: Hum? Conta aí filha.
Mácia: Eu estava seguindo com minha moto, bem tranquila. Dentro da
velocidade permitida. De capacete, rosinha. roupinha apropriada. Habilitada,
documento da moto em dia. Tudo legalzinho. De repente vibrou...
Geovana: A moto?
Márcia: Não, o celular. Era uma mensagem. Fiquei curiosa. Peguei o
celular no bolso e...
Geovana: Parou pra ler?
Márcia: Não. Aí foi meu maior erro. Li a mensagem dirigindo ao mesmo
tempo. Era meu lindo! Aff, não consigo ficar sem falar com ele. Ele disse que
tava com saudades e que me adorava. Não resisto.
Geovana: Daí você caiu na dele, e da moto.
Márcia: Na dele sim, mas da moto ainda não. Diminui a velocidade e comecei
a responder a mensagem. Estava escrevendo: Te adoro também, lindo,
bjssssssssssss. Mas de repente me deparei com o semáforo, o sinal estava
amarelo e logo ficou vermelho, então parei, e aproveitei para terminar a
mensagem. Não deu tempo. O sinal ficou verde, tive de seguir. Uma mão acelerava
e a outra...
Geovana: Apertava a embreagem?
Márcia: Não menina, moto de mulher como eu não pode ter embreagem. É só
no acelerador mesmo. Então eu acelerava com uma mão e com a outra eu digitava
minha mensagem. Tava lá, bem bela, digitando, escrevendo ao meu lindo. Estava
acabando de digitar bjssssssssssss, procurei uma carinha feliz no celular e, de
repente (grita bem alto)...
Geovana: (assustada) O celular explodiu?
Márcia: Não! Pior. Uma moça estava atravessando a rua, empurrando um
carrinho de bebê. Eu me assustei. Vi que ela se assustou também e ficou parada,
em pânico.
Geovana: O que você fez então?
Márcia: Eu larguei o celular, apertei bem o freio da mão, apertei bem o
freio do pedal, apertei bem os olhos e joguei a moto para direita e...
Geovana: Foi parar no hospital?
Márcia: Isso mesmo. Não poderia dar em outra coisa. Também, olha minha cabeça, passar mensagem e
dirigir ao mesmo tempo. Não pode. Ainda bem que não atropelei a moça com o
bebê, graças a Deus. Eu não me perdoaria nunca por isso.
Geovana: Essa história me deu um nervoso, fiquei até com sede. Me dá um geladinho
aí moço, ainda tem?
Tonho: Tem sim. Mas é pra vender dona. Pra dar não tenho não.
Márcia: É modo de falar moço, vê dois aí, pra gente se refrescar até o
coletivo chegar.
Tonho tira dois da caixa e fica olhando fixamente para os geladinhos.
Márcia: Que você tá fazendo rapaz?
Tonho: Tô vendo!
Geovana: Aff.. Vende aí moço, eita!
Pegam o sorvete e
pagam e provam.
Geovana: Delicioso. Como você faz?
Márcia: É mesmo, dá aí a receita.
Tonho: E encho a boca de chá e sopro dentro do saquinho, depois é só
botar pra gelar. Fica bom né?
Geovana: Eca! Não quero mais! (ambas jogam fora) E olha o ônibus
chegando. Vamos amiga. Ah! Dá mais uma coçadinha aqui pra mim, por favor?
Márcia: (coçando) Mas é folgada...
Tonho: Esse povo tem cada história.
O sorveteiro fica um tempo, passa mais uma mensagem no celular. Chega
seu pai.
Tonho: Viu pai? Falei que iria dar certo nosso plano. Vendi tudo hoje.
Tive até de reabastecer a caixa. Amanhã o senhor atrasa de novo, mais um pouco,
e eu vendo bem mais.
Manuel: Foi boa idéias filho, mas o pessoal da empresa já reclamou que
atrasei no trecho hoje. Se atrasar de novo, serei despedido, daí serão dois
vendendo sorvete. Vamos achar outra coisa...
Os dois vão saindo e
Tonho vai tendo idéias mirabolantes.
Tonho: E se eu fingir de morto na frente do ônibus, ou se falar que é
sorvete é mágico, e se...
Fim.
Rogério Luís Bauer
Obs.: Por favor, informem os erros encontrados, para que eu possa corrigir. Obrigado.
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