sexta-feira, 26 de julho de 2013

PEÇA - O JULGAMENTO


Peça de teatro com temática de trânsito.



O JULGAMENTO

Personagens: Juíza, Promotora, Defensora, Escrivã, Guarda, Ré, Testemunha 1, Testemunha 2, Copeira, Jurados (público).

A peça se desenvolve em cenário único, em ato único, onde todo o enredo se desenrola a partir da simulação de um julgamento, parecido com os moldes utilizados em julgamentos convencionais, mas com algumas adaptações.  O espetáculo relata uma situação onde um pedestre, após ser vítima de consecutivas situações de desrespeito no trânsito, perde a tolerância e comete atos inusitados. Ao público cabe julgar a gravidade de suas atitudes.  O espetáculo poderá ter inícios variados, para demonstrar os atos cometidos pela Ré, desde utilização de sonoplastia, com as cortinas fechadas, até uma breve representação do ocorrido, conforme imaginação do diretor da peça. Após isso, tudo se desenvolve na sala de julgamento. A mesa da Juíza ao centro, ao seu lado esquerdo a Escrivã e à sua direita a Promotora. Mais à frente da mesa da Juíza e à direita fica a cadeira da Ré, com sua Defensora ao lado.  As Testemunhas entram e saem de cena acompanhadas do Guarda, prestando depoimento no lado oposto ao destinado à Ré. Os jurados são todos do público presente, que é convidado antes do início da peça (podem ser distribuídas placas pequenas, feitas de cartolina e palito de espetinho, com uma face verde e outra vermelha, ou simplesmente orientados que, ao final do espetáculo, serão convidados a julgar o caso). O espetáculo foi encenado pela primeira vez só com meninas, mas pode ser adaptado para ambos os gêneros, sem problemas.

Entra o Guarda e passa a arrumar a posição das cadeiras e mesas, fica ajeitando uma coisa e outra. Assoviando ou cantando. Em seguida entra a Escrivã, com sua papelada em baixo do braço.

Escrivã: Bom dia seu guarda!

Guarda: Dia chefinha! Beleza? Quem é que nós vamos mandar pro xilindró hoje?

Escrivã: Olha, olha! Já disse para você parar de falar assim. Qualquer hora alguém, que não deve, ouve você falando desse jeito, daí, já viu né? Vai sobrar pra você.

Guarda: Ih! Não esquenta não! Todo mundo é meu amigo aqui. Menos os “mala” que sentam nessa cadeira (apontando para a cadeira do réu) é claro. Ah! Também tenho que me cuidar com a meretríssima...

Escrivã: (explicando) Não é meretríssima, é meritíssima, meritíssima!

Guarda: Mesma coisa.

Escrivã: Mesma coisa é? Chama ela assim então.

Guarda: Eu? Euzinha não! Se ela tem até vaga reservada no estacionamento, deve ser é muito poderosa a bichinha. Aliás, ela e outros né? Eu, como sou café pequeno, tenho que colocar minha bicicletinha lá nos cafundós. Mas chefinho, por que esse povo de preto tem essas vagas e nós não?

Escrivã: Quem regulamenta o estacionamento e demais normas de circulação e parada são os órgãos municipais de trânsito. Mas antes de questionarmos a legalidade ou a questão de privilégios nesses casos, temos de compreender que sempre se deve buscar o bom senso. Por exemplo, em frente a hospitais, deve-se deixar a vaga para a ambulância, para a entrada e saída rápida de pacientes. Em frente às farmácias, próximos dos prédios das autoridades policiais, entre outros. Tudo para facilitar a circulação de quem necessita de urgência no trabalha com o público.

Guarda: É verdade. Mas tem gente que não respeita! Por exemplo, aquelas calçadas rebaixadas, para os cadeirantes, além de serem poucas na cidade, ainda tem gente que estaciona bem na frente, bem juntinho. Como que a pessoa vai manobrar a cadeira ali?

Escrivã: Tem razão. Temos muito que aprender em relação à educação no trânsito.

Guarda: Sem falar nos bestas que estacionam em cima das calçadas. Daí a gente que anda a pé tem que ir para a rua. É um absurdo! Eu tenho uma amiga que tava tão estourada com esse negócio de ficar saindo da calçada por causa dos carros e apelou.

Escrivã: Apelou como?

Guarda: Ela tinha acordado meio virada, saiu já meio atacada de casa. Pisando em tudo que vinha pela frente. Daí foi atropelando tudo. Passava por cima dos carros que estavam na calçada, empurrava mesas dos bares, passava por cima dos móveis das lojas que estavam no seu caminho. Enfim, ela não saiu da calçada.

Escrivã: E o que aconteceu depois?

Guarda: Bom a coitada deve estar respondendo a um monte de processos.  Sabe como é né chefinha, sempre sobra para os pobres mesmo.

Escrivã: Não é bem assim.

Guarda: Nesse caso é sim! Ela amassou a lataria do carro, quebrou cadeiras, fez o diabo. Como ela não pode pagar um bom advogado. Vai se lascar!

Escrivã: Mas não é dessa forma que a gente resolve as coisas. Ela deveria ter acionado a fiscalização ou a polícia de trânsito. A calçada é via exclusiva do pedestre. Ela estaria corretíssimo se agisse assim.

Guarda: Chefinha acorda! Acorda! A gente vai lá, orienta, multa se for o caso, mas, é só virar as costas e eles fazem tudo errado de novo. É pura falta de educação mesmo. É o legítimo povinho que só faz as coisas certas na frente da polícia, pra não levar multa. Mas deixa pra lá vamos trabalhar que a chefona já deve estar vindo.

Escrivã: Melhor mesmo. Agora deixa eu me organizar por aqui. Hoje o dia será cheio. Vamos lá! Daqui a pouco vamos iniciar os nossos trabalhos.

Entra a Juíza.

Juíza: Bom dia!

Ambos: Bom dia doutora!

Juíza: Muito bem escrivã, tudo pronto?

Escrivã: Sim, sim meritíssima. Aqui tudo pronto. A promotora já chegou. A defensora, a ré, as testemunhas, os jurados, todos esperando.

Guarda: (interrompendo) Eu também estou pronto “meretr...”, “meret...”, “mere”... (engasga para falar corretamente, enquanto a Escrivã faz mímicas tentando ajudá-lo, até que desiste) Ah, doutora!

Juíza: Claro! Você é muito prestativo. E necessário. Obrigado.

Guarda: (sorridente) Por nada! Sempre às ordens! De prontidão! Servindo! Protegendo! Orientando! Sempre alerta! Pronto para...

Escrivã: (interrompendo) Seu guarda! Está bem, entendemos já. (para o juiz) Mas doutora, a senhora não vai entrar depois de todos?

Juíza: Hoje não escrivão! Vamos iniciar nossos trabalhos então. Guarda pode pedir para que a promotoria entre no recinto.

Guarda: (em tom solene) Que entre no recinto a nobre promotoria!

Entra a promotora, séria e cumprimentando a todos discretamente. Senta em seu lugar, ao lado da juíza.

Juíza: Guarda pode pedir que a ré e a defensoria entrem no recinto.

Guarda: (em tom solene) Que entre no recinto a ré, acompanhado de sua defesa!

Entra a ré, acompanhado da defensora. Sentam em seus lugares. O Guarda faz caras e bocas, pois reconhece sua amiga.

Juíza: Escrivã, por favor, faça a abertura dos trabalhos.

Escrivã levanta-se.

Escrivã: (lendo) Estamos aqui reunidos neste dia, nesta sala de solene, para proceder o julgamento da ré “Carmosa Verdes”, solteira, profissional liberal, residente e domiciliada nesta cidade, a qual será julgada pelo seguinte:
“Aos dois dias do mês de fevereiro do ano passado, a ré acima qualificada, agiu com destempero em suas atitudes cotidianas no seio da sociedade em que vive. Quando saiu de sua residência, por volta das 07 horas e 30 minutos, a pé, em direção ao seu trabalho, veio a cometer as seguintes infrações, ao longo de seu trajeto: Danos na lataria de um veículo automotor; além de espelho retrovisor quebrado; Uma cadeira de bar quebrada e um ventilador destruído; Lesões leves nos membros posteriores em dois cães de estimação; e arranhões em um latão de lixo. As partes ofendidas, ora representadas pela figura da nobre promotora, terão a oportunidade de expor seus argumentos, bem como a parte defensora da ré, para que, após todas as oitivas, nosso júri, decida a respeito da sua condenação ou não.”

Juíza: Obrigado Escrivã. Por favor, Guarda, chame a primeira testemunha, de acusação.

Guarda: Sim senhora “meretttt” (tenta falar de novo, não consegue e desiste novamente) doutora. (anuncia solenemente) Que entre a primeira testemunha.

Entra a testemunha de acusação, uma senhora já de idade avançada.

Juíza: A senhora jura dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?

Testemunha: Juro.

Juíza: (para a promotora) Acusação, a testemunha é sua.

Promotora: (levantando-se e dirigindo-se até a testemunha) Obrigado meritíssima. Com licença. (para a testemunha) Qual seu vínculo com a ré em questão?

Testemunha: Sou vizinha dela.

Promotora: Por favor, para auxiliar na decisão dos jurados, conte-nos o que a senhora presenciou no dia dos fatos aqui apurados.

Testemunha: Bem, eu estava varrendo a frente da minha casa, quando ela passou, aparentando estar nervosa, resmungando e bufando. Nem me cumprimentou. Daí ela chutou o latão de lixo do meu vizinho, e passou por cima do carro dele. Até quebrou o espelho retrovisor do carro. Fiquei abismada e vi que ela seguiu fazendo isso pela frente.

Promotora: Existe alguma loja de eletrodomésticos próxima da sua casa?

Testemunha: Sim, tem sim.

Promotora: E a senhora observou alguma coisa de anormal quando a ré passou por esta loja?

Testemunha: Sim. Ah sim! Ela pegou as cadeiras que estavam pela frente, jogou no chão, quebrou um ventilador, fez o maior regaço.

Promotora: E sobre uma possível agressão da ré a dois cães de estimação da sua vizinhança, o que a senhora sabe?

Testemunha: Ih, minha filha, que dó! Nem lhe conto. Só ouvi aqueles gritinhos de desespero das pobres criaturinhas de Deus. (imitando o grito dos cachorros) – Caimmmmm, caimmmmmm, caiiiiiiiiimmmmmmmmmm! Que maldade!

Promotora: (para a testemunha) Obrigado! (para a juíza) Sem mais perguntas. (senta-se)

Guarda: (vai até a frente dos jurados) Olha gente, cuidado! Conheço essa velha! É fuxiqueira, fofoqueira, intrigueira e maloqueira! Gosta de ver o circo pegar fogo!

Juíza: (repreendendo) Seu guarda, por favor! Limite-se a fazer a segurança da casa!

Guarda: Desculpa chefe! Digo, doutora!

Juíza: Defesa, a testemunha é sua.

Defensora: (para a juíza) Obrigado meritíssima. (dirige-se até a testemunha) A senhora disse que estava varrendo seu quintal quando aconteceu nos fatos, confere?

Testemunha: Sim, confiro, quero dizer confirmo.

Defensora: De quanto em quanto tempo a senhora faz isso, esse trabalho de varrer seu pátio?

Testemunha: Todos os dias, é sagrado. Logo cedo eu vou pra lida, como todo bom trabalhador.

Defensora: Muito bem. E quantas vezes a senhora viu a ré cometendo atos como estes citados hoje, ao longo de todo esse tempo em que a senhora vem cuidando do quintal?

Testemunha: Bom, que sai assim desse jeito foi a primeira vez, mas ela sempre teve esse jeitinho meio estranho.

Defensora: E sobre o carro do seu vizinho? Onde ele estava quando a ré passou por cima dele?

Testemunha: Na calçada da casa dele ora. Não dá pra deixar nada na rua, a molecada fica mexendo, além do mais a calçada é dele, foi ele que fez, ele que pagou, ele que limpa, que cuida.

Defensora: (enfatizando) Então quer dizer que a calçada é dele?

Testemunha: Sim, sim.

Defensora: E sobre essa loja, próxima da sua casa. A senhora viu a ré entrar na loja e jogar os objetos no chão? Onde estavam esse objetos?

Testemunha: Não, não! As coisas estavam na frente da loja, onde seu Nico, que é o dono, sempre coloca, pra gente ver as promoções, as novidades. Tem tanta coisa boa!

Defensora: Só mais uma pergunta. O que a senhora realmente viu sobre o fato da ré com os cachorros da sua rua?

Testemunha: Bom, eu vi os cachorrinhos gritando: (imita de novo) Caimmmm, caimmm, caimmm!!! E depois...

Defensora: (interrompendo) Não senhora, eu quis dizer o que a senhora viu? E não o que a senhora ouviu?

Testemunha: Bom ver mesmo eu só vi eles correndo pra dentro da casa da comadre Rosa, assustados os coitadinhos. E gritando muito... (imitando) caimmm, caimmmm, caimmm!!!!

Defensora: Obrigado! Sem mais perguntas! (senta-se)

Juíza: A testemunha está liberada! Guarda queira acompanhá-la e chamar a próxima testemunha!

Guarda: Posso fazer uma perguntinha pra essa velha?

Juíza: O Senhor é advogado de defesa, ou coisa assim?

Guarda: Bem, não, mas...

Juíza: (irritada) Então não! Limite-se a fazer o seu trabalho e deixe que cada um cumpra seu papel!

Guarda: (assustado, para a juíza) Sim senhora, sim senhora! (para a testemunha em voz alta) Vamos Senhora, por gentileza. (para a testemunha disfarçadamente) Véia safada, te conheço, te pego depois, fuxiqueira! (discretamente dá um cascudo nela e tira ela rápido do tribunal, depois anuncia, em tom solene) Que entre a próxima testemunha!

Escrivã: (comentando) Haverá uma disputa bastante acirrada entre a promotoria e a defesa da ré. Estou curiosa pra saber quem vai conseguir convencer os jurados hoje.  Será um caso bem complicado de resolver, e tanto a promotora como a defensora são bem experientes.

Entra 2ª Testemunha, de aparência mais jovial, e se coloca em seu lugar.

Juíza: Já qualificada, a senhora jura dizer a verdade somente a verdade e nada mais que a verdade?

2ª Testemunha: Juro.

Juíza: Promotora, a testemunha é sua.

Promotora: (para a juíza) Obrigado meritíssima. (para a testemunha) Qual sua relação com a ré, possui algum vínculo afetivo?

2ª Testemunha: Sou vizinha, posso dizer que somos boas amigas.

Promotora: Isso significa que, sendo amigas, a senhora poderá aliviar nas suas declarações, para favorecer a ré...

Defensora: (interrompendo) Protesto meritíssimo, não está em julgamento a conduta da testemunha.

Juíza: Protesto aceito. Por favor promotora atenha-se aos fatos.

Promotora: Sim meritíssima. (para a testemunha) Voltando ao nosso caso. No dia do ocorrido, o que a senhora presenciou?

2ª Testemunha: Bem, eu estava abrindo minha pequena lanchonete, quando vi a Carmosa passando, parecia nervosa, então vi que ela passava por cima dos carros e chutava as latas que estavam a sua frente. Acho que ela estava revoltada com os carros e objetos interrompendo seu caminho.

Promotora: (para a Juíza, em tom irônico) Meritíssima, então podemos encerrar nossos trabalhos, a testemunha já chegou as suas conclusões e podemos dar o caso por encerrado. Simplesmente a ré estava revoltada, e não podemos tolerar isso em nossa sociedade...

Defensora: Protesto meritíssima. A nobre colega promotora está constrangendo a testemunha. Seu grau de instrução não permite que leve cada palavra ao pé da letra.

Juíza: Protesto aceito. Por favor promotora volte aos fatos.

Promotora: (para a testemunha) O que a senhora pensaria de uma pessoa que passa por cima de seu carro, quebra seu espelho retrovisor, chuta seu cesto coletor de lixo e bate em seu cãozinho de estimação?

Testemunha 2: Depende da situação, eu acho que...

Promotora: (interrompendo, agitada) Depende?  Eu acho? Pelo amor de Deus, vamos então colocar um indivíduo a pisotear em seu veículo e bater em seu cachorro, depois a senhora me fala o que sentiu? Pode ser?

Defensora: Protesto meritíssimo.

Juíza: Protesto aceito. A acusação precisa ter objetivos em suas perguntas. Não estou vendo por esse caminho. Recomendo aos jurados que desconsiderem a fala.

Promotora: Desculpe meritíssimo. (para a testemunha) A ré é sua cliente?

Testemunha 2: Sim senhora.

Promotora: Está explicado, a ré compra pastéis, refrigerante, e outras coisas com a testemunha, por isso a afinidade.

Guarda: (exaltado) Protesto meretríssima, a promotora ta esculhambando com a testemunha.

Juíza: (distraída) Protesto aceito. (atenta) Quero dizer, guarda, por favor, não se envolva mais nos trabalhos. Dê-se por repreendido!

Guarda: Desculpa, desculpinha.

Juíza: Promotora, por favor, a testemunha não está em julgamento, seja mais objetiva.

Promotora: Sim meritíssima. (para a testemunha) Vou fazer a última pergunta. Se alguém amassasse seu carro, ou danificasse algo seu, analisando friamente, a senhora gostaria de ser reparada por isso, alguém teria de pagar? Responda somente SIM ou NÃO?

Testemunha 2: (oscilante) Bem, eu...

Promotora: Por favor, responda SIM ou NÃO:

Testemunha 2: Sim.

Promotora: Sem mais perguntas.

Juíza: Defensora, a testemunha é sua.

Defensora: Obrigado. (para testemunha) A senhora conhece a Dona Carmosa há muito tempo?

Testemunha 2: Posso dizer que sim.

Defensora: Como a senhora classificaria essa pessoa? Como pessoa de bem, como baderneira, como marginal?

Promotora: (interrompendo) Protesto. A pergunta é subjetiva.

Juíza: Protesto negado. Faz parte da interpretação a respeito da conduta do réu.

Guarda: Yes!!!!

A juíza olha para o guarda, como se estivesse repreendendo. O guarda abaixa a cabeça e fica quietinho.

Juíza: A testemunha pode responder.

Testemunha 2: Considero ela como uma pessoa de bem. Sempre foi desde que a conheço.

Defensora: Sem mais perguntas. Obrigado.

Juíza: A testemunha pode se retirar. Seu guarda, por favor, acompanhe a testemunha.

Guarda: Pois não doutora, deixa comigo! (para a testemunha) Valeu filha, isso aí. Vai pro céu.

Juíza: Vamos ouvir agora a ré.

O guarda conduz a ré até o púlpito para prestar seu depoimento.

Juíza: A senhora jura dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?

Ré: Juro.

Juíza: Muito bem. Primeiro eu quero que conte a sua versão dos fatos.

Ré: Sim senhora. Sabe doutora, sempre fui uma cidadã cumpridora das minhas obrigações. Sempre recolhi todos os meus tributos. Respeitei as autoridades. Nunca ultrapassei meus limites em nada. Todo santo dia, quando saia de casa para meu trabalho, me deparava com aquele carro estacionado na calçada, daí eu tinha de ir para a rua, dividir o espaço com os carros e motos que andavam por lá. Quando conseguia voltar para a calçada, encontrava mesas e cadeiras dos bares, lá tinha eu de ir para a rua de novo. Mais pra frente eram os produtos das lojas. De tudo um pouco. Lá ia eu para a rua de novo. Mais pra frente vinham cachorros soltos pra me morder. Tinha de fugir de novo. Isso tudo sem falar das árvores de copas baixas, bem no meio da calçadas, onde temos praticamente que andar de quatro pra conseguir passar. Confesso que nesse dia eu acordei com o pé esquerdo. Fiz isso que me acusaram mesmo. Passei por cima do carro sim. Derrubei as cadeiras e outros objetos do comércio também. E chutei os cachorros, com dó, porque gosto de cachorros, mas chutei porque eles vieram me morder.

Juíza: Muito bem. Promotora, a ré está a sua disposição?

Promotora: Minha jovem, se você está trafegando com um veículo em uma estrada federal, por exemplo, e percebe que uma placa de sinalização foi quebrada, ou não está em perfeito estado. A senhora para no primeiro posto da polícia e quebra tudo lá?

Ré: Não senhora.

Promotora: Hum, e se a senhora está trafegando, na sua mão, em velocidade apropriada e percebe que um veículo vem atrás do seu e está forçando a ultrapassagem. A senhora vai fechar esse carro, impedindo a passagem dele? Ou então vai andar mais rápido que ele, só porque ele está forçando?

Ré: Não senhora.

Promotora: E se a senhora vem com seu carro e percebe que um pedestre está atravessando fora da faixa de segurança. O que a senhora faz: Passa por cima dele, já que ele está errado?

Ré: Não.

Promotora: Então me diga se a senhora está passando em frente a uma escola, no horário de saída, e vê aquelas centenas de alunos no meio da rua. Não podem, estão errados. A senhora vai prosseguir da mesma forma?

Ré: (cada vez mais diminuída) Não senhora.

Promotora: Se tem um motorista ao seu lado, falando ao celular. A senhora vai ficar buzinando insistentemente, até que ele pare? Ou então, se ele estiver sem o cinto de segurança, a senhora vai bater no carro dele pra ele sentir o impacto?

Ré: Não, não vou, não devo.

Promotora: (com ar de vencedora) Obrigado meritíssima.

Juíza: Defesa, a ré está a sua disposição.

Defensora: Só tenho uma pergunta meritíssima. (para o réu) A senhora está consciente de que errou e está arrependida?

Ré: Sim e não.

Defensora: (espantada) Vou repetir a pergunta. A senhora está consciente que errou e arrependida, ou seja, não faria de novo?

Ré: Sei que errei. Mas acho que faria de novo. Pois isso levou a se pensar a respeito. Não é certo deixar carros e objetos nas calçadas, ou animais soltos. Algo tem que ser feito.

Defensora: Obrigado. Sem mais perguntas meritíssima.

Juíza: Muito bem. Vamos fazer um breve recesso para o café e depois voltamos com as considerações finais da defesa e da promotoria. Assim como a decisão dos nobres jurados.

Todos saem com exceção do guarda, que fica arrumando as coisas e resmungando sozinho. Entra a copeira, Dona Creuza.

Guarda: Opa! Um cafezinho da hora. Tava precisando mesmo. Tudo bem Dona Creuza?

Creuza: Bem bem não to muito não, mas vô levando né! Tem que trabalhar né? Sabe que depois do acidente eu nunca mais fui a mesma.

Guarda: Que acidente Dona Creuza?

Creuza: Sabe não? Ano passado fui atropelada. Mas foi culpa minha. Não olhei para os lados e tava fora da faixa. Ainda bem que o carro tava devagar e o motorista me socorreu. Gente boa o moço. Me levou no hospital. Disse pra mim não me preocupar que o seguro veicular pagaria tudo. E pagou mesmo.  Tem gente que nem sabe disso, você acredita.

Guarda: Acredito sim. Muitos fogem das responsabilidades e nem sabem que podem contar com esse apoio. Mas que bom que ele foi consciente.

Creuza: É mesmo. E tão bonito o moço! Precisava ver. Até hoje ele me visita. Moço bom. Mas sei que é raro. Viramos amigos sabe.

Guarda: Ele foi legal sim. Mas ele estava com a cabeça tranqüila né D. Creuza, pois sabia que foi a senhora que pisou na bola.

Creuza: Foi sim. Sabe Seu Guarda, às vezes a gente fica pensando em tanta coisa e deixa de ver a verdadeira natureza humana. Eu estou ouvindo lá de trás e esse julgamento aqui tá me fazendo refletir a respeito disso.

Guarda: É?

Creuza: Sim. Olha, nós construímos carros que podem trafegar a 200 por hora, muito acima do limite. Nossos jovens já podem votar com 16 anos, mas não podem dirigir nem assumir seus crimes. Os ricos presenteiam seus filhos com carros e motos potentes antes mesmo deles serem habilitados a dirigir. Pagamos horrores em impostos e não cobramos estradas boas, enfim, tem muita coisa pra ser pensada, sabe seu guarda...

Toca uma sineta, todos voltam, termina o recesso, a copeira vai saindo, o guarda volta para seu lugar.

Juíza: Encaminhando a finalização do nosso trabalho, passo a palavra a nobre Promotora, para suas considerações finais.

Promotora: Obrigado. Meritíssima Juíza, nobre colega Defensora, caríssimos jurados e demais pessoas presentes. Estamos diante de um impasse. Ou condenamos esta ré, em função dos danos por ela causados, ou a absolvemos, por considerar que as circunstâncias a levaram a fazer isso. Caberá a vocês, cidadãos de bem, decidir. Se vocês consideram que ela errou, que não devia levar ao extremo a sua conduta, então condenem. Mas se vocês acreditam que é normal sua atitude, que é aceitável, tolerável, desculpável, então liberem ela desta responsabilidade. E assim, abram um precedente para que outras pessoas ajam da mesma forma. Se vocês absolverem essa pessoa não poderão mais questionar quando situações semelhantes acontecerem, inclusive com vocês. Recomendo, então, que sigam suas convicções de ordem, organização e convívio social tolerável, ou seja, condenem essa cidadã, para que isso sirva de exemplo, para que fatos desta natureza não mais ocorram. Do contrário, podem rasgar e queimar nossas leis, as quais levamos tanto tempo para criar. Obrigado.

Juíza: Com a palavra a defesa.

Defensora: Depois das tão belas palavras de nossa Promotora, me resta então apelar para a sensibilidade e consciência de cada um dos senhores e senhoras jurados. A promotoria enfatizou tanto ao longo desse julgamento sobre os erros cometidos pela ré. A qual inclusive os reconheceu. Porém a acusação não mencionou as situações que a levaram a isso. Onde está, aqui, o proprietário do carro que estava sobre a calçada? Estacionado em lugar proibido! E o dono dos cães que perseguiram a ré, onde estão? Cães estes soltos na rua, contrariando nossas leis. E os comerciantes? Aqueles que estenderam seus estabelecimentos até o meio fio da rua! A promotoria não falou do risco que esta jovem passava todos os dias, deixando a calçada e se obrigando a usar a rua, aliás, ela e todos os outros pedestres que utilizam essa via de acesso, inclusive crianças, idosos e deficientes. Sabemos que um erro não justifica o outro. Mas, coloquem-se no lugar dela, e, oportunizem outra chance. Para que o exemplo a ser dado seja estendido também aos infratores que não se fazem presentes aqui neste recinto. Obrigado.

Juíza: Feitas as considerações da defesa e da acusação. Passaremos agora, aos jurados, a responsabilidade de decidir sobre esse caso. Escrivã, por favor, oriente os jurados.

Escrivã: (para a Juíza) Pois não, meritíssima. (para o público, que é o júri) Lembro a todos sobre as normas de convivência em sociedade, assim como recomendo que considerem as leis, direitos e obrigações de cada indivíduo. Os jurados devem observar as seguintes instruções: Se querem condenar o réu, levantem a placa com a face vermelha para o tribunal. Se consideram que devem absolver a ré, então mostrem o lado verde para este juízo.

Se não houver possibilidade de providenciar placas para o público, então pode-se pedir que levantem as mãos esquerda ou direita.

Escrivã: Caríssimos jurados, por favor, levantem suas placas agora.

A Juíza e a Escrivã observam o número que representa a maioria. Posteriormente a Juíza profere uma das sentenças abaixo, conforme o resultado observado.

1. Juíza: Observada a decisão da maioria dos jurados, a ré é considerada culpada das acusações, sendo sentenciado a pagar pelos danos causados. Escrivã faça cumprir a sentença. Tenham todos um ótimo dia!

2. Juíza: Observada a decisão da maioria dos jurados, a ré é considerada inocente das acusações, sendo absolvida. Escrivã faça publicar a sentença. Tenham todos um ótimo dia!

Encerra-se com as expressões de vitória e derrota dos envolvidos, conforme decisão dos jurados (público).

Fim
Rogério Luís Bauer

Obs.: Por favor, informem os erros encontrados, para que eu possa corrigir. Obrigado.

4 comentários:

  1. Professor eu amei a peça se o senhor tiver gravado os alunos apresentando ela o senhor poderá mandar para esse e-mail??? jjjjleonardo@gmail.com Espero respostas

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  2. Professor eu amei a peça se o senhor tiver gravado os alunos apresentando ela o senhor poderá mandar para esse e-mail??? jjjjleonardo@gmail.com Espero respostas

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