sexta-feira, 26 de julho de 2013

PEÇA - FERIDAS

Peça de teatro que aborda questões referentes a 2ª GM, nesta versão, adaptada também para discutir o tema de trânsito.

FERIDAS
PERSONAGENS: Menina Chaya, Cabo, Soldado, Irmã Amelia, Irmã Bina, Vítimas 1, 2 e 3.

O ambiente é uma sala onde tem uma mesa e duas cadeiras. Também um outro objeto  coberto por um tecido branco. Uma menina sozinha, sentada no chão, brincando com uma boneca. Surgem as irmãs mais velhas da menina, mas não são percebidos por ela, que segue brincando.

Amalia: Triste sina da nossa irmãzinha. Tão pequena, tão indefesa, tão inocente e já sozinha no mundo.

Bina: Não fique assim irmã. Ela é uma menina forte, saberá se defender. Nós a criamos para isso.

Amalia: Não diga tolices mulher, ninguém cria uma menina esperando que ela fique à mercê do mundo. Nós prometemos aos nossos pais que cuidaríamos dela. Eu queria ficar com ela pra sempre.

Bina: Eu sei disso. Mas eu me referia a ela como uma menina forte. Nós fizemos com que ela soubesse se defender do mundo.

Amalia: O mundo é muito cruel irmã. Milhares, milhões até, já morreram vítimas desses sanguinários. Quando é que vão entender que somos gente igual a eles.

Bina: Éramos, você quer dizer, éramos.

Amalia: Tem razão. Mas nossa maninha ainda é. E ela ainda pode sofrer igual, ou até mais que nós.

Bina: Não! Não! Não quero nem pensar nisso. Aquele lugar onde eu estava era o pior lugar do mundo.

Amalia: Tenho certeza que era ruim. Mas para onde me levaram não era lugar de gente.

Bina: Não sei como aguentei tanto tempo. Quando nos levaram, disseram que iríamos trabalhar pela causa, para ajudar nossos compatriotas. Eu tinha de despir os corpos de nossos irmãos mortos, para aproveitar toda a roupa que desse. Alguns chegavam já podres, fedendo, se desmanchando. Vi tantos amigos.

Amalia: Éramos centenas de prisioneiras. Demoramos a entender porque estávamos ali. Só percebemos quando demos conta que quem ia para a sala do médico, não voltava mais pela mesma porta.

Bina: Enquanto eu estava forte, servia para todo tipo de serviço, a qualquer hora. Fui tantas vezes maltratada, humilhada, violentada. Me mataram e me mantiveram viva por muito tempo.

Amalia: Quando o médico viu meu olhos, perguntou se eu não queria que fossem azuis, iguais os dele. Mesmo diante do meu silêncio ele inundou minha visão com a cor do céu. Senti aquela agulha perfurando minha alma! Foi a última coisa que vi em vida.

Bina: Eles me diziam que eu não merecia viver, que nenhum do nosso povo merecia viver, pois éramos escória, éramos lixo. Eu nem lágrimas mais tinha para chorar. Sentia o frio em meus ossos, já quase a flor da pele.

Amalia: Eu te amo irmã!

Bina: Eu também te amo! Vamos vigiar nossa pequenina!

Amalia: O tempo todo.

As irmãs se afastam para um segundo plano, mais ao fundo. A menina segue brincando. Ouve-se tiros e explosões, acompanhados de gritos de ordem e gritos de pavor simultâneos. Ouve-se freadas, buzinadas, batidas. A menina parece indiferente e vai, naturalmente, para baixo da mesa. De repente entram dois militares, um cabo e um soldado. O cabo é violento, o soldado nem tanto.

Cabo: (ordenando e gritando) Vasculha, procura, quebra, arrebenta, mata! Não quero nada vivo nessa toca! Atira em tudo que se mexer.

Soldado: Mas comandante, não precisamos mais de trabalhadores? Nossas tropas estão enfraquecidas, temos que ter uma boa retaguarda. Necessitamos de mantimentos e de quem conserte nossas roupas.

Cabo: Pare de falar besteiras. Esses malditos não servem pra nada. Dão muita despesa e vivem pouco tempo. Não aguentam trabalho duro. E, além disso, acho que essa guerra não vai durar por muito tempo. Como você disse, estamos enfraquecidos. Logo teremos de nos render, então devemos matar a essa gentinha toda, para que não sobre um sequer para sujar nossa terra.

Soldado: Sim senhor, o senhor é quem manda aqui. Mas comandante, eu acabei de entrar para a tropa e o senhor me diz que a guerra já vai acabar. Como?

Cabo: Você ainda é jovem rapaz. Se viver, poderá ter outras batalhas em sua vida, mas essa guerra está no final. Esses vermes se multiplicam na sujeira onde vivem. Atrapalharam nossos planos de tornar o mundo um lugar melhor, onde só existisse gente como nós. Gente superior. Agora o mundo está contra nós, soldado, contra nós! Vamos morrer, mas vamos levar até o último infame que encontrarmos pela frente.

Soldado: Sim senhor comandante.

Cabo: Vasculhe essa coisa que chamam de casa. Está na hora de fazer o relatório periódico ao comando. Volto já. Não esqueça, se encontrar algum daquela raça... MATE!

Soldado: Sim senhor comandante.

O cabo sai, o soldado fica de dono do ambiente. Anda de um lado para o outro observando. As duas irmãs se aproximam e conversam entre si.

Bina: Precisamos fazer alguma coisa para que ele não encontre nossa menina.

Amalia: Mas o que? Esqueceu que estamos mortas?

Bina: Não sei. Se ao menos pudéssemos avisar a ela. Para que ela fugisse.

Amalia: Mesmo se pudéssemos você sabe que ela não conseguiria!

Bina: Conseguiria sim, ela seguiria seus instintos.

Amalia: Olhe ele está se aproximando dela.

As mulheres ficam só observando. O soldado se aproxima da mesa, olha para baixo e encontra a menina. Dá um salto para trás e ordena:

Soldado: Não se mexa!

A menina segue indiferente, brincando. O soldado, lembrando da ordem de seu comandante, insiste:

Soldado: Não se mexa! Não se mexa! Quero dizer, se mexa, se mexa, saia daí de baixo dessa mesa, venha morrer em pé!

A menina permanece indiferente, segue brincando. De repente ela leva a mão em uma grande lata que está ao seu lado, embaixo da mesa. O soldado pensa que ela vai pegar uma arma e corre para trás, se esconde e observa a menina, que tira um pedaço de pão da lata e coloca na boca. O soldado se refaz do susto e volta até onde ela está.

Soldado: Não se finja de morta! Quero dizer, de esperta. Morta você vai ficar é já já. Saia daí agora.

A menina finalmente percebe a presença do soldado, olha com carinho para ele. Leva a mão na lata novamente, o que faz o soldado correr de novo e se esconder. A menina pega mais um pedaço de pão. Sai de baixo da mesa e vai até o soldado. Oferece o pedaço de pão a ele. O soldado fica olhando sem saber o que fazer. A menina permanece com o braço estendido, até que o soldado pega o pão, olha e, devagar, coloca na boca. A menina sorri e abraça o soldado. Ele fica imóvel por instantes. As irmãs da menina se abraçam emocionadas. Por alguns instantes todos sorriem. O momento é interrompido por mais sons de tiros, explosões (freadas, buzinadas, batidas) e gritos de ordem do cabo. O soldado, conquistado pela menina, tenta protege-la. Ouvem-se gritos de ordem do comandante:

Cabo: (de fora) Soldado, continue procurando, eu já volto! A natureza ta me chamando! Aquele chucrute não me fez bem!

Soldado: (respondendo) Sim senhor! (para a menina) Quem é você?

A menina olha serenamente e não responde nada.

Soldado: Como você ainda está aqui? Onde estão seus país, seus familiares? Porque ainda está sorrindo, como sobreviveu?

Vítima 1: (passando) Quem ele falando assim pensa que é bonzinho.

Vítima 2: Pensa que se importa coma menina.

Vítima 3: Imagina que ele tenha coração.

Vítima 1: Mas ele é igual a todos.

Vítima 2: Ou pior.

Vítima 3: Primeiros ele vieram com esse discurso.

Vítima 1: Depois trouxeram o sofrimento.

Vítima 2: E a morte.

Vítima 3: Antes trouxessem só a morte, do que a dor que nos impuseram.

Vítima 1: A qual gente nenhuma merece sofrer.

Vítima 2: Apesar que eles não nos consideravam gente.

Vítima 3: Não. Para eles, éramos menos que nada.

Vítima 1: Vamos transformar o mundo num lugar melhor!

Vítima 2: Formado por pessoas superiores!

Vítima 3: Fortes, inteligentes e bonitas!

Vítima 3: O resto é nada, e em nada se transformará, a qualquer custo!.

Vítimas todas: Assim pregavam...

Vítima sentam e relatam as seguintes estatísticas do trânsito brasileiro:

V1: No Brasil, entre 2002 e 2010 , o seguro DPVAT pagou indenização para 453 mil pessoas por morte.
V2: Indenizou  572 mil pessoas por sinistro de invalidez permanente.
V3: Pagou a  698 mil pessoas por despesas médicas permanentes.
V1: Neste período, o DPVAT pagou indenização para  mais de um milhão e 700 mil pessoas por sinistro.
V2: Brasil: um acidente a cada 30 segundos, duas indenizações a cada minuto.
V3: Se as indenizações pagas representassem o total das mortes no trânsito, teríamos praticamente 150 mortes por dia.
V1: 6,25 mortes por hora.
V2: 1 morte a cada 10 minutos.
V3: Além de quase 600 pessoas inválidas diariamente.
As vítimas saem, o soldado volta a falar com a menina, a qual nada responde.

Soldado: Por que você não fala comigo? Não precisa ter medo, não te farei mal algum...

Gritos desesperados das irmãs. Seguindo de falas aleatórias de desespero.

Irmãs: Nãããããããoooooo!!!!!!!!! Não é verdade, Não acredite, não faça nada, não vá com ele, ele á mau, são todos maus, não, não...

O soldado dá a entender que sentiu alguma coisa com a reação das irmãs, olha para o nada e fala:

Soldado: Meu Deus! Que foi isso que senti?

Quando se prepara para falar com a menina novamente, ouve o cabo chegando. O Soldado então se esconde embaixo da mesa, com a finalidade de esconder a menina, usa a tolha de mesa para tentar camuflá-los, enquanto ouve os gritos do cabo, que se aproxima.

Cabo: Soldado! Soldado! Onde você está?

O soldado nada responde, na esperança que o cabo saia e lhe dê tempo para pensar em algo. O cabo insiste.

Cabo: Soldado! Seu imbecil, onde você está? (à parte) Será que o chucrute ta fazendo efeito nele também? (gritando) Soldado! Soldado!

Como não obtém resposta, o cabo passa a diligenciar na casa. O soldado observa sem ser visto, enquanto a menina nada faz.

Cabo: Maldita guerra! Maldita derrota! Tantos anos de luta, tantos miseráveis mortos e a troco do que? Ainda existem muitos deles, ainda ficarão e ainda contarão histórias para se parecerem vítimas... Malditos. Meu senhor tinha razão, eles estavam nos contaminando, tirando tudo o que era nosso, pouco a pouco.

O cabo percebe a existência de um objeto coberto por um lençol. Aproxima-se e descobre. Trata-se de uma rádio. Ele admira e depois liga.
Está sendo transmitida uma mensagem. A qual ele atentamente ouve. Intercalado com a mensagem ouve-se narrativas de acidentes, índices, etc... Quando termina a música, a menina tosse, e o cabo percebe.

Cabo: Que isso?

O soldado coloca a mão na boca da menina, para ela não fazer mais barulho. O cabo, desconfiado, recomeça sua busca. As irmãs, percebendo o perigo e cientes de que chamaram a atenção do soldado antes, começaram a gritar perto do cabo. E logo as demais vítimas passaram a fazer o mesmo.

Amelia: Assassino, assassino!

Bina: Criminoso, nazista criminoso.

V1: Mais de 50 milhões de mortos.

V2: Guerra de 1 trilhão e meio de dólares.

V3: 30 milhões de mutilados.

V1: Judeus. Mulheres e crianças mortas.

V2: Ciganos, negros, mestiços mortos.

V3: Deficientes, homossexuais, idosos mortos.

V1: Anualmente mais 1,3 milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito no mundo, e aumentando.
V2: Os ditos acidentes no trânsito ferem de 20 a 50 milhões de pessoas a cada ano.
V3: As ruas e estradas são a maior causa de morte de pessoas com mais de 10 anos de idade.
V1: 3.500 pessoas morrem por dia em incidentes relacionados ao trânsito.
V2: São 146 pessoas por hora
V3: 1 pessoa morre no mundo a cada 25 segundos, vitimada no trânsito.
V1: 50 milhões se ferem anualmente nas ruas e estradas do planeta.
V2: Mas mesmo assim as políticas de transporte continuam priorizando veículos, rodovias e velocidade.
V3: Em detrimento das pessoas e da segurança.

Cabo: (indiferente, recitando) A flor de cerejeira é a primeira das flores, assim como o guerreiro é o primeiro dos homens. Os ventos divinos são nossos aliados, assim como aqueles que herdaram o sangue romano.

V1: Treblinka...

V2: Auschwitz...

V3: Birkenau ...

V1: BR-381, 25 acidentes com mortes a cada cem quilômetros.

V2: BR-116, 24 acidentes fatais a cada cem quilômetros.

V3: BR-040,  BR-101, BR-282...
Todas vítimas: Indústrias do extermínio.

Amalia: Nossa gordura virou sabão.

Bina: E os ossos viraram botões

Cabo: (pensando em voz alta) "Utilizar meios ilimitados, quaisquer que sejam eles, inclusive contra mulheres e crianças. Nenhum alemão que participe das operações deve ter responsabilidade pelos atos de violência nem ser submetido a nenhuma medida disciplinar."

Amalia: Fomos levados em vagões, desses que transportam gado.

Bina: As pessoas ficavam em pé. Não tinha lugar para sentar ou agachar.

Amalia: Se alguém estava doente ou mesmo morrendo, ele morria de pé.

Bina: Era simplesmente insuportável. A água era a pior...a falta de água, a sede era a pior coisa.

Cabo: (pensando em voz alta) : Os judeus são seres "subhumanos" que se infiltraram na sociedade ariana; os judeus são como parasitas culturais ambulantes, consumidos pelo sexo e pelo amor ao dinheiro.

V1: Nas florestas eu comia o que encontrava.

V2: Eu comi insetos, minhocas. Eu comi qualquer coisa que eu pudesse por na boca.

V3: Comi ratos crus, sim, eu comi. Estava completamente desmoralizada.

Amalia: Ao chegar no campo da morte, tínhamos que nos despir, e depois passar por um corredor, todas nuas.

Bina: Olhavam para os nossos seios, para a nossa barriga, para ver se nenhuma de nós poderia estar grávida.

Amalia: Se eles vissem alguma mulher grávida, eles a mandavam para a morte, no mesmo instante.

Cabo: Não sei por que minha cabeça começa a imaginar coisas. Sempre fiz a coisa certa. Obedeci ordens. Sempre fui um ótimo soldado. Tudo que fiz foi em nome do meu país.

Amalia: Essa é a desculpa que sempre dão.

Bina: Falam assim como se não tivessem intenção, como se fossem simples marionetes.

Amalia: Cada ser humano pode decidir seu destino.

Bina: Temos a faculdade de escolher, certo ou errado, mas podemos escolher.

A menina tosse mais uma vez. O Cabo percebe de onde vem e se aproxima. Quando o Cabo levanta a toalha de mesa e vai dizer algo, o Soldado fala entes.

Soldado: Peguei você menina, agora você sairá daí de qualquer maneira. Vamos! Não me faça atirar em você aqui mesmo, vamos!

Cabo: Muito bem Soldado, encontrou  mais uma desgarrada. Vamos tentar descobrir onde estão escondidos os outros.

Soldado: Isso mesmo Comandante, vamos ver se ela fala, do contrário, vamos deixá-la apodrecer aqui sozinha.

Cabo: Não mesmo. Isso é que não. Ainda mais que é uma mulher. Poderá gerar muitos vermes no futuro. Vamos arrancar as verdades dela, e depois a mataremos, e sem gastar munição.

Soldado: (à parte) Mas senhor, quem sabe se nós a deixarmos e fizermos com que ela pense que está livre. Então poderemos segui-la, e encontrar os outros.

Cabo: A idéia não é ruim, mas não temos homens suficientes para isso, nem tempo. Os aliados estão chegando, mais cedo ou mais tarde teremos de nos render.

Soldado: Eu mesmo posso me encarregar disso, com sua permissão é claro.

Cabo: Tudo bem. Concordo.

Soldado: Sábia decisão, senhor comandante.

Cabo: Mas primeiro quero interrogá-la, pessoalmente. Traga ela até essa cadeira.

Soldado: O senhor acha necessário. Ela parece nem saber falar, ou até mesmo poderá mentir para o senhor.

Cabo: (irritado) Faça o que mandei e cale essa boca!

O soldado leva a menina até a cadeira. O cabo passa a interrogá-la. Ela fica indiferente a todas as perguntas.

Cabo: Onde estão seus pais?

Cabo: Quantos anos você tem?

Cabo: Como é seu nome?

Cabo: Fale sua desgraçada! Será que terei de torturar você? Não me force a isso... (congela)

V1: Não me force? Toda mulher tinha de ser Sara e todo homem ser Israel.

V2: Quando saímos do trem tudo aconteceu muito rápido: esquerda, direita, direita, esquerda. Os homens separados das mulheres. Crianças arrancadas dos braços de suas mães

V3: Os mais velhos foram perseguidos como se fossem gado. Os doentes e os deficientes foram tratados como sacos de lixo. Eles eram jogados na pilha de malas quebradas e caixas.

Amalia: Havia três fileiras de camas de madeira. Não havia nenhum tipo de roupa de cama. Não havia uma única barra de sabão. Não havia uma cadeira, um lugar para sentar. As pessoas ficavam estiradas nas camas de madeira ou movendo-se sem energia.

Bina: Minha mãe me dava o pão dela, para que eu pudesse viver mais tempo. Ela me protegia, me cobria quando estávamos marchando, na chuva, na neve ou no frio. E tudo que tínhamos era um vestido cinza.

V1: Frio, exposição a radiação, fome.

V2: Colocavam o cadáver para fora, na frente de onde viviam, e então vinham carroças especiais para levar todos aqueles corpos até o cemitério.

V3: Vi  uma pilha de cadáveres, uns sobre os outros. A pilha tinha a altura de uma casa de dois andares. A quantidade de mortos era tão grande, e não parava de aumentar.

Amalia: Levavam grupos de judeus para cavar na floresta, depois fuzilavam esse grupo e jogavam os corpos nesse buraco. Traziam outro grupo, fuzilavam, jogavam no buraco. Traziam outro grupo para tapar o buraco e abrir outro, a assim eles seguiam a matança.

Bina: Colocavam os judeus em fila, um atrás do outro, para matarem todos com o mesmo tiro. Quem não morria do tiro, morria asfixiado com a terra que era jogada por cima.

V1: Quando eles queimavam os Muselmaenner,  só se via fumaça, mas quando havia pessoas com alguma gordura no corpo, a gente via as chamas saindo das chaminés.

V2: A câmara de gás era um salão bem fechado, com chaminés que subiam em direção ao teto. Primeiro, eles enchiam o lugar com todas as mulheres, em seguida eles empurravam os homens para dentro.

V3: Até não ter mais lugar dentro dela. Depois faziam as crianças engatinharem por cima das cabeças das pessoas até o final,  e então fechavam a porta.

V1: O encarregado colocava uma máscara,  removia a tampa do tubo de gás e jogava o conteúdo pela chaminé, para dentro da câmara.

V2: Assim que ele jogava o gás, ele fechava a tampa rapidamente para que o gás não escapasse.

V3: E tudo que se conseguia ouvir era um som alto, "Shema..." e isso era tudo. Levava de cinco a dez minutos. E quando eles acendiam a luz de dentro da câmara, as pessoas já estavam mortas.

V1: Ainda escuto o barulho dos freios do carro...

V2: O carro veio deslizando...

V3: Só pensei em cobrir o rosto, e esperar...

V1: Foi tudo muito rápido...

V2: O motorista tinha bebido...

V3: Minha vida acabou...

Descongela a cena.

Soldado: Por favor comandante, vamos deixar essa menina. Ela parece inofensiva.

Cabo: Eu resolvo o que faremos. Mas porque você insiste? Parece que se afeiçoou a essa menina...

Soldado: Não senhor, é que tenho irmãs pequenas, e ela me lembra...

Cabo: Não diga tolices soldado. Essas pessoas não podem ser comparadas com gente como nós. Eles são inferiores. E chega de conversa. Vamos acabar logo com isso. Mate essa menina agora.

Soldado: Ela é só uma criança...

Cabo: Está se rebelando contra nosso regime soldado?

Soldado: Não senhor, mas é que...

Cabo: Então mate ela, e agora. Ou eu mesmo farei isso, e ainda punirei você por insubordinação.

Soldado: Mas senhor...

Cabo: Agora! (apontando a arma para o Soldado).

O Soldado tira a menina da cadeira e pede a ela que comece a andar, de costas para ele. O Soldado então aponta a arma para ela. Ela anda, devagar, com o Soldado apontando a arma para ela. O Cabo observa. Apagam-se as luzes. Ouve-se um tiro.

Irmãs e vítimas gritam: Não!!!

Ouve-se outro tiro. Instantes depois liga-se a luz.

Cabo: O que você fez idiota?

Soldado: Eu não poderia viver com isso...

Soldado atirou na menina e depois nele próprio. O cabo pega a arma e sai. A menina e o soldado, já mortos, levantam. A menina vê as irmãs, vai abraçá-las sorrindo. As vítimas saem. As irmãs vão saindo. A menina volta, estende a mão ao soldado e diz:

Menina: Vem, você é meu amigo.

FIM
ROGÉRIO LUÍS BAUER

Obs.: Por favor, me informem os erros encontrados, para que eu possa corrigir. Obrigado.


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